segunda-feira, 10 de março de 2014

O que morre e se deixa morrer

É a luz que morre na desolação do intelecto, alma que desvanece na penumbra do desuso. O espírito teima em perdurar em noite mal feita, em sonho inacabado, interrompido, pelo intrometido raio de sol que insiste, estoicamente, em se fazer notar. Decrépita a ilusão do amanhecer que tarda, num para sempre pôr do astro que reina e se faz impor. Prolifera, peste sem barreira, a podridão do cérebro que, sem rival, na fortaleza se instala sem permissão.

Filipe Pimentel

domingo, 5 de janeiro de 2014

Dorme, Apenas

 Sonho efémero da alma que persiste, é uma ilusão do coração que se deixa morrer sob um sol que arde numa placidez ensaiada para um destino imutável. Existência nula no absurdo da materialização dos medos todos, infinitos e uns mais quantos, que se prostram aos meus pés cansados, de uma teimosia que não esmorece em palmilhar os trilhos das lajes caídas dos que Já Não São, por ninguém sulcados, onde cego vejo o mesmo e chego além de sítio algum. Pelos gritos amordaçados de um espírito que se estilhaça no chão húmido de prantos noturnos, de uma consciência comatosa que dilacerada se contorce em gargalhadas de resignação mascarada, caio de joelhos no sangue escuro e escondo a cara que espelha o nada que consome o que de mim resiste. Deixo-me asfixiar na dormência déspota da dor continuada que não cessa, e desisto de tentar ser.


Filipe Pimentel

Despotismo

 É como uma nuvem de fumo, esta vida que acontece. Disforme, impossível de agarrar, indomada agora e sempre. Corre por entre os segundos que insistem em passar em frente dos meus olhos, em gozar com as tentativas épicas do minúsculo ser humano, afogado em ilusões de uma qualquer grandeza de espírito, em escrutinar o propósito metafísico da existência, que nada mais é do que simplesmente ser. A vida é atingir o material e desesperar pelo que nao se consubstancia, é uma navegação por entre verdades supremas dilaceradas pela Razão e pensamentos deíticos agrilhoados ao Tocável. Uma nuvem de fumo que se começa a dissipar com o primeiro fôlego do peito convulso que nasce, que almeja chegar onde só o delírio chega, onde a vida é uma luz fantasiada de um corpo que não morre.
 
 
                                                                                          Filipe Pimentel

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Raio de uma Voz

 Brota o sonho no ventre húmido da vontade selvática, que estilhaça e oblitera, que destrói e enforma. Ilusão angélica de liberdade sem grilho, grito da fera que se não doma nem enjaula por ser corpo do desenfreio e da voz guerreira que por não ser não morre nem emudece. Nasce a luminescência incandescente, que luminosamente incandesce na mente titã do poeta trovador, profeta do espírito voraz, de presas e líricas garras armado, com votos ocos prometidos em grinalda que atirada flutua no sangue da mente comatosa que se esvai, lenta, preguiçosamente rumo à nulidade alienante. Voa no ar inquieto da descrença o torcionário silêncio que mais acusa que entorpece, é a penitência diferida da carne necrosada da alma piamente cortada, da sodomia persignada.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Cresce na sombra do desmazelo do espírito, o sonho da vida acordada que se dilui no sangue que escorre pelos lábios descarnados do conhecimento impuro e violado pelo vazio da Razão ignorada. Apenas pela mente insana o impossível toma corpo e passa a ser. Apenas pela imaginação desenfreada o terreno torna-se divino e a celestial ilusão da inferioridade humana é mutilada e queimada nas chamas da própria inverdade.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Bardo do Sonho Sem Rosto

 Vejo ao cimo o sol, tu que brilhas, um fulgor que aos meus olhos se apaga, como ode que definha num choro sem voz. Cintilas sobre as nuvens de outros tempos, de outras areias que correram e que já preguiçam em ser. Ardes alto, onde não chego, longe do meu toque que enregela o mais quente beijo... oh, luxuriante beijo que te vais sem antes aos meus lábios te revelares. Sol tímido, morna e tépida incandescência que nos meus sonhos suspirados tomas corpo, mas foges... Rugido emudecido, penosa sorte que amargamente se encorpora e me pesa nos ombros que me custam a manter direitos, quando tu, ó monarca ardente da bondade espinhosa, me esqueces ao beco desta ruela abandonada a que chamam a dádiva divina... Esbanjas esse teu esgar áureo sobre o que já ofusca e a mim...a mim esqueces-me, nem sombra tenho de espectral que para ti sou, numa vala por aqui e por ali perdida num pulsar que morre sem ter da terra brotado. Fosse o meu espírito pedaço inteiro, para ti bradava palavras fracas mas minhas de saudade e força que se me desvanece, com o teu brilho que não chega, ó sol pulsante, que te ouço no meu peito, ó dia que te apagas. Não vás, ainda eu não te olhei...sol no meu peito que teimas em me não ver. Canção dos pedintes do amor sem esmola, é o que me sibilas...lá no cume dos montes de safira, brilhas, ardes em esplendor que me recusas. Talvez um dia...quando em mim alma estilhaçada não morar e lágrimas minhas, essas, para ti são.

                                                                                                                        Filipe Pimentel

terça-feira, 23 de abril de 2013

Genealogia

 Sou um ser do infortúnio, um bastardo do acaso e da circunstância vaga. Sou uma existência em declínio, um respirar sem propósito de regresso ao nada de onde vim, à nulidade da origem disforme e longínqua que me ensombra e me enforma. Sou criação do passado e cinza do tempo por vir.

                                                                                                      Filipe Pimentel